Acreditamos que contar e recontar histórias ajudam na elaboração de vivências traumáticas e a encontrar novas saídas para os nossos sofrimentos psicológicos.
Neste momento tão atípico de nossas vidas, resolvemos criar um espaço de cuidado para ajudar as pessoas a pensar e a“digerir” tudo que está acontecendo como as incertezas, os medos e perdas.
Um espaço para que as histórias de lutos não fiquem restritas apenas a números podendo ser transformadas em histórias de vidas.
Queremos ler histórias de como está sendo seu luto, quem perdeu, como está sendo o fato de não poder estar junto, de não poder cuidar e se despedir…enfim falar da sua história de luto.
Escreva uma carta ou um relato e envie para o email: registros.psicologicos@gmail.com
Logo entraremos em contato com você para juntos narrarmos sua história.
Este espaço aberto e gratuito atende a um compromisso que a Clínica Referencial Psicológico tem com a comunidade de oferecer serviços com foco em prevenção em saúde psicológica.
Como você pode participar?
Ofereceremos duas possibilidades de expressar sua história. Uma forma é a publicação aqui no blog da sua narrativa e outra é participar em um pequeno grupo de leitura compartilhada dos relatos. Estas possibilidades serão combinadas posteriormente ao seu primeiro contato.
É o nosso jeito! Aproximando pessoas, narrando histórias e cuidando. Concordamos com Martha Medeiros: “Sem cuidar, nada floresce.”
19.08.2020
Sobre o vírus do silêncio
Algo tem nos chamado a atenção durante a pandemia. As pessoas não falam de seus medos abertamente, não falam sobre os seus lutos, não falam da ameaça da morte, não falam quando estão contaminadas, não falam do horror do número de mortos, melhor dizendo, não falam e não expressam as suas perdas e pessoas estão transformando-se apenas em estatísticas.
Sentimos que é necessário falar mas as palavras faltam. O incômodo e a sensação de confusão se sobrepõem e então o que vem é o silêncio, como uma espécie de contaminação paralela. Um não dito que ora é um alívio do não pensar, do negar e ora é a expressão de angústia e de solidão.
Estamos rodeados por ameaças, perdas, horrores, angústias e incertezas. O que acontecerá amanhã? E semana que vem? Não sabemos, então uma certa normalização começa a se instalar, o que se ouve é que estamos vivendo um novo normal, somos capazes de reproduzir essa expressão com certa naturalidade, porém nesta imensidão de acontecimentos indescritíveis, ainda não elaborados, entramos em contato com a notícia do número de mortos que cresce e já ultrapassou cem mil mortos.
Seria possível pensar que ainda estamos dentro do “olho do furacão” e não temos a distância necessária para compreender todas as consequências desta grande crise sanitária mundial? Talvez sim, talvez não tomamos distância ainda para olhar até onde a tempestade já nos atingiu, estamos vivendo o impacto e quem sabe se segurando para não ser levado pelos ventos fortes desta tempestade.
Contudo a saudade nos lembra que estamos isolados, não abraçamos, não tomamos café com amigos, não jantamos juntos e não compartilhamos momentos. Pais e filhos não estão reunidos, avós não estão convivendo com seus netos, não podem desfrutar deste doce momento. Não brindamos aniversários e formaturas, como também não podemos nos abraçar quando um familiar falece, mesmo que não tenha falecido de covid, nossos momentos e rituais de despedida estão impedidos.
Estamos desorientados no vácuo destas lacunas que brotam da falta destas vivências? Viria daí a necessidade da sobrecarga de tarefas que pode estar nos impedindo de pensar? Talvez sim, porém em algum momento do dia ou da semana surge aquela saudade, sentimos falta de estar com as pessoas, sentimos falta dos amigos, dos familiares e dos colegas de trabalho. Sim, sentimos muito falta.
E neste contexto de faltas, ausências e perdas torna-se ainda mais doloroso a banalização das mortes por covid em algumas falas. Um pouco desconcertante se deparar com a dúvida da existência do vírus, ou a dúvida sobre a contagem dos mortos pela covid e ainda mais cruel é a explicação quase automática que a pessoa que foi vencida pelo vírus era idosa, como se estivesse tudo certo ou natural. São nossos avós ou pais, são os nossos tios ou primos, são nossos amigos ou colegas. Como podemos estar pensando assim?
Está silenciada a dor, o medo, a ameaça, a expressão do inacreditável e o inapreensível deste tempo. Nunca foi vivido algo assim. Um vírus que vem e devasta vidas e ilusões. Dilui fronteiras e classes sociais. Nos traz tantas incertezas e inseguranças sobre o hoje, sobre o amanhã, sobre o que sabemos, sobre como nos relacionamos.
O desamparo está evidente e vem de todos os lados, nesta fragilidade pessoal e social esperamos das autoridades orientações claras, diretrizes tranquilizadores e falas respeitosas, mas estes não conseguem garantir nossa segurança diante deste mal. Seguimos desorientados às cegas.
Psic. Adriane de Rose
Psic. Cristiane de Paula Vieira
Psic. Liége Saltiél Webber
Psic. Luisa Pavlick Pereira