Reflexões sobre o Filme Blonde

Alguns sonhos sobre Blonde…

[Contém spoiler]

Um filme impactante e angustiante!

Ao ver esta obra, tive alguns sonhos nos quais, em primeiro lugar, gostaria de ressaltar o aspecto da sobrevivência. Norma Jeane foi uma criança que sofreu muitos traumas intensos e pesados tais como tentativa de ser morta pela mãe algumas vezes como podemos inferir a partir da cena da entrada das duas no incêndio; a tentativa de afogar a criança na banheira; colocar a bebê na gaveta; entre outras até que neste dia do incêndio foi resgatada pelos vizinhos que a levaram para o orfanato.

Muitos elementos da ordem do traumático se fizeram presentes na história de Norma Jeane, inclusive nas repetições traumáticas, considerando a sequência de eventos, do micro ao macro que ela foi sofrendo. Pelo ponto de vista do funcionamento mental, podemos pensar na presença de elementos beta, objetos terroríficos e bizarros, terrores sem nome, invadindo a mente de Norma Jeane repetidas vezes e com tamanha intensidade. Me parecia uma criança que não tinha aparelho para pensar suficientemente desenvolvido e com precariedades a partir do que nos foi mostrado. Faz-se importante considerarmos também a percepção da ausência de função alfa e de continente de sua única relação próxima, a mãe, partindo do pressuposto que a primeira relação do bebê é bem importante na constituição da mente.

Quando penso nos aspectos alucinatórios / transformações em alucinose, dos quais vamos nos dando conta ao longo do filme que a personagem Marylin Monroe vai apresentando, penso como um grande conglomerado dessas experiências emocionais não metabolizadas, não contidas, que Norma Jeane foi passando desde bebê. Sua parte Marylin também sofreu outros traumas adicionais, o que incrementaria mais elementos traumáticos.

Norma Jeane precisava defender sua existência psíquica de alguma forma; é aí que penso as alucinações e as cisões entre, pelo menos, suas duas partes da mente – personagens Norma Jeane e Marylin Monroe – como formas defensivas de um aparelho mental incontinente, ausente de função alfa e com o excesso traumático de elementos beta para ter alguma espécie de sobrevivência psíquica. O caminho do álcool; das medicações desenfreadas seria uma tentativa de anestesia de tudo que ela sofreu? Em meu ponto de vista, Norma Jeane cria Marylin para dar conta de existir, mas, paradoxalmente, não se reconhece na personagem quase que oposta a si mesma.

A parte Norma, de alguma maneira, me pareceu ser a criança assustada e sucumbida, triste, em busca de algum reconhecimento, pois nos passa a impressão de que nunca foi vista enquanto Marylin é a estrela que em frente às câmeras faz sucesso e com muitas polêmicas também; de uma forma ou de outra, ela consegue ser vista. A parte Marylin aparece; causa; brilha em alguns momentos, mas com toda uma carga de sofrimento. Conjecturando um pouco mais, o fio que unia as duas partes da mente seria a busca pelo pai que ela não teve a possibilidade de conhecer? Isso gerou um impacto em Norma Jeane que nunca esqueceu a fotografia que a mãe lhe apresentou. No entanto, compatível ou não com a realidade externa, pode ser que isso tenha dado algum fio de vida, esperança para a garota seguir. Marylin seguiu com essa ideia e a forma como tratava seus maridos nos sugere a manutenção desse aspecto infantil com relação a seu pai.

Penso também que Norma Jeane não conseguiu superar as perdas dos bebês. Me pareceu que na segunda gravidez, ela teria uma chance de buscar fazer diferente; construir uma relação que não teve? A partir da perda do bebê, notei uma intensificação nos aspectos de sofrimento e do processo de autodestruição, quando ela perde o fio de esperança de que, de fato, não havia pai ao receber a carta do amigo falecido, afirmando que as cartas eram dele.

Pensando as angústias de Marylin, se houvesse tempo, acredito que o início do trabalho em psicoterapia seria poder abrir espaço para, de fato, sentir e sofrer as dores e acolhê-las para que ganhasse início de metabolização até que ela fosse conseguindo construir um continente para as próprias emoções. Acredito que um trabalho multiprofissional junto ao psiquiatra e a alguém próximo dela também teria sido bem importante.

São algumas ideias apenas, sem verdades absolutas, a respeito de um filme que tem muitos aspectos para seguirmos pensando…

 

Anna Abdala

Psicóloga, Psicanalista e Supervisora Clínica

Núcleo de Ensino e Supervisão

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